
Passeio Noturno
Rebeca havia tirado uma noite de folga, afinal. Resolveu ir aos Jardins de Palermo, que por alguma razão encontravam-se abertos àquela hora. Ela observou as plantas, dando especial atenção às flores, agora suas companheiras constantes. A jovem, de uma simples, porém talentosa, florista, transformara-se em requisitada paisagista devido aos belíssimos arranjos que fazia mesmo com as mais simples plantas.No entanto, a bela senhorita Tsekub não encontrava nos homens a mesma felicidade que nas flores. A maioria comentava que a lindíssima morocha não encontrava um pretendente. Ou que ela não se interessava em conseguir um matrimônio. Mesmo ela sabendo do sério risco de ficar sozinha, já que não tinha irmãos ou parentes próximos, pois a mãe havia falecido há quase dois anos.
A paisagista, por sua vez, sempre que conseguia ou aceitava alguma aproximação com alguém, esbarrava em um problema: a pessoa fugia assustada alguns dias depois. Ela tinha absoluta certeza de Agustín Magaldi ser o culpado. E nada feliz estava por conta disso. Ele não tinha direito algum de meter-se em sua vida. Eles não eram amantes, apenas amigos de paz, segundo imposição dela. Entretanto, Magaldi parecia estar esquecendo-se do acordado entre eles. Embora a florista não pudesse esconder de si mesma amá-lo mais que qualquer coisa.
Não! Via-se incapaz de permitir-se ter sentimentos por um vampiro. O cantor “criollo” Agustín Magaldi havia morrido. Um chupador de sangue havia ocupado o lugar antes preenchido pelo homem de bem, filho e pai amoroso. Um monstro assassino. Ou apenas vítima das circunstâncias? O funeral dele ainda estava vívido em sua memória, especialmente o momento de seu despertar para uma nova vida. Aquilo, porém, podia ser chamado disso? Que razões tinha aquela vampira para transformá-lo? Qual era o objetivo dela ao matar Agustín Magaldi, transmutando-o naquilo? As perguntas continuavam sem resposta.
A falta de clareza a atormentava. Por mais que o professor Colman a ensinasse sobre vampiros, menos entendimento ela tinha. Era como estar enredada na teia de uma aranha. Acabou suspirando derrotada.
Foi quando ela, ao ir para o leste dos jardins, deparou-se com ele. Quis fugir, mas algo não a deixou fazê-lo. Talvez fosse hora de colocar algumas coisas em pratos limpos...
- Eu não tenho visto você, Magaldi.
- Você anda tão ocupada, Rebeca. O seu trabalho te toma muito tempo – disse ele com um meio sorriso. Como era possível ele parecer ainda mais belo do que antes? A aparência parecia ter voltado alguns anos no tempo, mas na verdade era como recordava das últimas fotos. Exceto pelo cabelo, sem toda aquela gomina antes usada. E os olhos, parecendo maiores e um pouco mais sombrios.
- Agradeça à Teresa Rosas de Soler – Rebeca se viu rindo para em seguida dizer: - Ela começou a falar sobre meu talento com plantas e deu nisso.
- Você mexia com elas quando a vi pela primeira vez – respondeu o vampiro sorrindo e a bela paisagista percebeu nunca ter perguntado como exatamente Magaldi a vira e se apaixonara por ela.
- O que você fazia na floricultura do Loyola? – a jovem estava surpresa ao deduzir aquilo.
- Estava escolhendo umas flores para presentear a viúva Olmos y Piñedo quando ela anunciou que ia regressar do Uruguai. No entanto, quando... te vi na estufa,... foi amor à primeira vista. Sei que é difícil de acreditar, ainda mais agora, mas, é sério – disse ele tocando o braço dela com delicadeza embora sua verdadeira vontade fosse puxá-la para um beijo apaixonado.
A bela mulher desejou afastar-se daquele toque, mas viu-se incapaz disso. Olhou bem nos olhos dele:
- Comprando flores para outra você se apaixonou por mim? Juro que isso é realmente difícil de crer.
- Eu não sei se você leu uma revista de quase dois anos sobre mim, mas, comentei nessa publicação duas coisas: que nunca pude me queixar da sorte e que nunca conheci uma mulher que pudesse decifrar a minha alma e fosse capaz de me amar com a intensidade que eu desejava – disse ele com um suspiro curto e baixo para depois continuar após um prolongado fausto de respiração: - No entanto, quando te vi pela primeira vez, em 1936, tive a certeza: você era quem eu procurava, porém, nunca mais te vi depois daquele dia. Shows solo após me separar do Pedro Noda, entrevistas, viagens, as visitas ao meu filho e a minha mãe. Tudo somou.
- Loyola nunca me falou que você esteve lá – Rebeca achava estranho que o dono jamais tivesse comentado isso com ela.
- Não estou surpreso. Aquele homem é apaixonado por você e no que alcança a capacidade dele, jamais permitiria minha aproximação. Pior agora que eu sou um vampiro, por ele ser um Caçador – Magaldi fechou a cara ao dizer aquilo ao passo que a florista-paisagista horrorizou-se ao ouvir tais palavras...
- Isso é mesmo sério?!
- Se pergunta de ambas, sim – respondeu ele tirando do casaco uma garrafa, abrindo-a e bebendo seu conteúdo, que Rebeca teve a certeza de ser sangue.
Como assim Loyola era um “Caçador”? Era verdade que a jovem nunca o ouvia falar algo do passado. Mais ainda que não tivesse dito nada sobre seu desaparecimento de uma semana, quando ela, pela primeira vez, teve de cuidar da floricultura sozinha. No entanto, essa história de caçador nada era comparada ao fato de que ele a amava e jamais lhe dissera uma única palavra disso. Não compreendia os motivos ou será que...?
- O que é um Caçador? Isso tem algo a ver com ele nunca ter me contado os sentimentos dele? – Rebeca achava impossível haver associação entre duas coisas tão distintas, mas a palavra soava grave demais.
- Tem. O “Caçador” é um humano, homem ou mulher, com a capacidade de detectar qualquer ser sobrenatural. Por conta disso, eles são muito perseguidos por criaturas malignas. Essas criaturas poderiam te matar para feri-lo ou te usar como escudo para impossibilitá-lo de caçá-las, pois ele jamais deixaria alguém te machucar – respondeu ele para em seguida ficar repentinamente sombrio olhando profundamente nos olhos dela: - E por você, eu assassinaria todos os homens desse mundo, para que nenhum deles pudesse te olhar ou tentasse te possuir. Usted es mía, Rebeca. Mía por todo lo siempre.
A paisagista afastou-se pelo menos um metro e meio, aterrorizada com aquelas macabras palavras, especialmente com o tom adquirido pelos caninos em vista: - Você... não seria capaz, seria?
- Já não sou o mesmo de antes – ele aproximou-se rapidamente e apesar de tudo, abraçou-a de modo que ela cruzasse seu olhar com o dele.
Em verdade, ela também não era a mesma. Tinha amadurecido muito, aprendido com a vida. Algo, porém, não havia mudado: seu amor por ele. Um amor nascido de repente e sem prazo de validade. E quem disse que sentimentos tinham isso? Adiantava continuar fugindo do que sentia? No fim, mesmo que seguisse várias estradas, sempre voltaria ao mesmo ponto: amá-lo demais mesmo sabendo que talvez não devesse.
- No meu caso, também te amei à primeira vista após vê-lo cantar em um local onde eu trabalhava com flores. Eu nunca achei, porém, que você olharia para alguém como eu. Um cantor tão popular e amado pelas mulheres andando com uma florista constantemente imunda de terra. Quem iria ver isso com bons olhos, ainda mais eu sendo filha de mãe solteira e você sendo pelo menos dezessete anos mais velho? – respondeu ela afastando-se do abraço para limpar uma lágrima que vinha e dizendo após virar-se de volta para os olhos dele: - Eu te amo, Agustín Magaldi Coviello. Pela eternidade e além dela.
O vampiro outrora cantor nunca esteve tão feliz como naquele minuto. Sorriu como há muito não fazia. Envolveu Rebeca em seus braços. Beijou-a com toda a paixão reprimida por três anos e foi correspondido do mesmo modo. No caso dela, no entanto, um sentimento reprimido por pelo menos cinco. Já não importava se ele era um morto-vivo bebedor de sangue. O queria, o amava, o desejava como a mulher que era.
O lindo momento foi interrompido por um pigarro absurdamente alto. Quando pararam e olharam, Rufina Cambaceres os observava: - Muito bonito sumir sem me avisar, Magaldi. Eu devia ter imaginado que você ia encontrar a paisagista morocha.
- Eu tenho nome, senhorita. É Rebeca Tsekub – disse ela educadamente, embora com certo constrangimento em razão das circunstâncias.
- Sei quem você é. Eu estava pensando em fazer um novo jardim para minha casa, mas a senhorita tem uma agenda bastante lotada – respondeu a vampira, que naquela noite levava trajado um vestido azul decotado, o cabelo solto com uma tiara brilhante em cima e um colar cujo pingente era uma safira esculpida em losango, além de maquiagem, que embora leve, reforçava a boca e os olhos.
- O que você veio... fazer aqui? – Magaldi estava furioso com a interrupção. Rufina podia ser sua mestra, mas isso não significava ela atazaná-lo só porque não tinha dito aonde ia. Ele não era criança, ora bolas!
- Primeiramente, te procurando. Em seguida, me vi no dever de avisar que o Loyola está por perto. Menos mal que ele não viu vocês dois. Se isso acontecesse, era bem provável que ia dar uma confusão dos diabos – respondeu Cambaceres para em seguida sorrir: - Mas posso dar conta dele. Ah, não se preocupe, Rebeca, não vou matá-lo. Apenas distraí-lo.
- Não sei se fico aliviada ou preocupada. Desculpe, não posso evitar – a paisagista tinha o coração aos pulos.
- Entendo – Rufina deu um estalinho com os lábios. Ao virar-se, no entanto, uma flecha passou zunindo ao lado de sua cabeça para cravar-se em uma planta.
Rebeca e Agustín apavoraram-se ao ver aquilo, pois não acreditavam que alguém pudesse acertar um alvo daquele modo, pois os Jardins de Palermo eram cobertos. Rufina tirou a flecha facilmente e viu um bilhete cravado na parte após a ponta:
- Felicia Morresi querendo uma conversa comigo amanhã à noite. Por que o Emiliano não podia vir avisar pessoalmente? Ah claro, ele não gosta de chegar perto de ninguém. É o típico bicho arisco dos pampas.
- Quem é esse? Algum amigo seu? – Magaldi continuava abraçando Rebeca, temendo que mais uma flecha chegasse sem aviso.
- É o assistente e protetor daquela bruxa lunática dos Alpes Italianos. Até ela é boa gente, mas um pouco estranha. É dele que não gosto. Muito nariz empinado para meu gosto – disse ela lendo o bilhete.
- E adora atirar flechas para todos os lados – disse o vampiro, surpreso por não conseguir perceber de onde vinha a arma pontuda.
- Não adianta tentar, o Azurra é muito bom escondendo o rastro dele – Rufina odiava aquela habilidade possuída por ele.
- Emiliano Azurra? – Rebeca via-se surpresa ao juntar os nomes e logo disse: - Eu conheço um pouco sobre isso. A minha avó por parte de mãe morava no local quando ele foi esfaqueado pela filha Julia.
- A famosa lenda da triste saga do infeliz arqueiro. Ele desapareceu logo depois de melhorar, pelo menos é a teoria daquele local até hoje. Na verdade, porém, Emiliano tornou-se vampiro e por gratidão ao que Felicia fez por ele para que não perdesse a sanidade, dedicou-se a ajudá-la e protegê-la de possíveis inimigos – respondeu a “mulher-vampiro” sorrindo.
- Nós entendemos, Rufina. Agora acho melhor nós irmos. Não quero me deparar com o Loyola e óbvio, eu quero ficar a sós com a minha amada – disse ele feliz, arrancando um sorriso de Rebeca.
- Me digam quando forem marcar o casamento – a vampira riu estrondosamente, causando um involuntário tremor nos vasos do local.
Agustín suspirou longamente ao ver sua mestra sumir entre as plantas enquanto a bela paisagista se perguntava por que aquela vampira tinha de ser tão escandalosa quando ria. De repente, porém, os dois sorriram. Enfim, estavam sós. E mais que isso, extremamente felizes.
O amor tinha vencido.
Eles, no entanto, sabiam que embora o amor vencesse a guerra, teriam que lutar para continuar juntos, pois a vida costumava ser uma caixa de surpresas. Para o bem e para o mal.